sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Dia 30/11/2010 – Terça – Feira / BANZEIRANDO – Uma Jornada Teatral pelos Rios da Amazônia / Diário de bordo e terra


Localidade de Calama, que antes era território do Estado do Amazonas, depois passou a ser a primeira cidade do Estado de Rondônia. Chicão, cedo como sempre, já estava visitando as entidades e vendo os espaços para apresentações. Agendou na E.E.E.F.M. General Osório apresentações do Manjericão pela manhã e a tarde; à noite o Tancredo e Nivaldo. De dia foram as 9:30 e 13h, horários diferenciados devido ao período de provas, pois o ano letivo esta afunilando para o final.
Nos preparamos na correria, pois era cedo pra caramba, lugar longe, no meio do caminho desabou uma chuvarada e ficamos embaixo de uma ponte de ferro de duzentos metros de comprimento que ligava o centro do Distrito com o morro da escola. Sidnei Oliveira, nosso produtor naquela hora, conseguiu uns guarda-chuvas e seguimos pra escola. Chegando lá e avistamos o Chicão realizando uma dinâmica breve para aquecer o público pra nossa apresentação. Nivaldo ajudou a formar a roda e logo já estávamos em mini cortejo pelo pátio. Apresentação ótima, num espaço coberto e amplo, público muito participativo. Na cena em que a mulher barbada, personagem da Anelise, após realizar a dança do cossaco, se enamora de um homem da platéia o escolhido foi o seu Sebastião. O morador ribeirinho ficou lisonjeado, ganhou beijinhos e se divertiu muito, assim como os demais.
Cumprimos a função com esmero, suando muito com o calor abafado após a chuva. Voltamos pro barco para um banho rápido e uma manga de lanche, fruta que se encontra em todos os lugares. Alguns já comeram tanto que não podem nem ver mais, hehehe. Pedimos pra guardarem um pouco do guizado de Pirarucu e também frito pro almoço na volta. Corremos pra escola novamente, começamos às 13h e foi nossa melhor apresentação até aqui na Jornada.
Tínhamos em torno de quatrocentas pessoas na platéia, extremamente participativas e curtindo com prazer a apresentação. É impressionante o quanto o artista de rua e o público se complementam em certos momentos. Há um estímulo e uma reciprocidade no processo de criação e apreciação estética do fazer artístico. Nesta tarde o Samir improvisou uma cena primorosa. Há um momento em que o palhaço Brigela vai ao segundo médico para consultar, (o espetáculo em suma é uma crítica mordaz a saúde pública e privada no Brasil), contextualizando Samir chamou três alunos para criar corporalmente uma voadeira, para se deslocar até o consultório ou posto de saúde que aqui muitas vezes o atendimento é só no fim de semana, quando tem médico. O público delirou.
Voltamos para o barco, almoçamos no meio da tarde e depois Chicão convidou pra pescar, ali mesmo junto ao barco. Pescamos muitos Mandins e alguns Candirus, devolvemos todos às águas, fazíamos uma pesca esportiva. Os freezers estão abarrotados de peixes. Logo chegou o pôr do sol, sensacional, um céu alaranjado refletindo nas águas, muito boto rosa e tucuxi (cinza) saltando e mergulhando a poucos metros da gente. Chicão disse que era um boto rosa fêmea assistindo e protegendo as brincadeiras dos filhotes. Já o grupo de boto cinza, mais afastado, estava acasalando.
Anoiteceu e Nivaldo e Tancredo foram pra escola apresentar, enquanto o Léo fazia pizzas para a janta, Vânia e eu ajudávamos na medida que ele solicitava os temperos, etc. Variamos o cardápio nesta noite, Léo se revelou um ótimo pizzaiolo. O povo chegou da escola com muita fome e Léo foi servindo e comemos enquanto ouvíamos as histórias das apresentações. Foi uma noite muito doida, a Guadalupe estava endiabrada entrou até de bicicleta em cena, uma loucura! Após a janta muitos foram escrever seus relatos, ver as fotos e vídeos do dia, jogar dominó, deitar nas redes ou simplesmente prosear na proa e popa da embarcação vendo os botos a nadar ao luar da Amazônia.
Após este 9º dia de Banzeirando, que foi intenso, não posso deixar de tecer aqui um comentário sobre o meu amigo Chicão. Um produtor que se mostra a cada dia que passa um cidadão acima de qualquer suspeita no tocante à competência no que faz. Um produtor de mão cheia, um cara sagaz e inteligente, sempre à frente nas ações do teatro da Amazônia e brasileiro. Embora Chicão tenha conseguido com O Imaginário ótimas conquistas nos últimos tempos, as dificuldades continuam muito grandes para manter as pesquisas e o trabalho continuado. O artista de teatro de rua somente nos últimos anos passou a ter voz em determinadas instâncias justamente por batalhas de caras como Chicão.
A cada final de dia sentamos e refletimos sobre as dificuldades de se fazer teatro neste país. É inegável hoje o valor das redes virtuais e os diálogos realizados em encontros, por exemplo, da RBTR - Rede Brasileira de Teatro de Rua. Rede que por esses dias realizou o 8º encontro nacional na cidade de Campo Grande no Estado do Mato Grosso do Sul. Onde são discutidos incansavelmente o fazer artístico/teatral e as políticas culturais. Quase todos aqui estariam neste encontro, mas a Jornada era prioridade. Estamos sem comunicação na maioria dos dias, isolados pela floresta, sem saber como foi, mas temos a certeza de mais um encontro presencial inesquecível que alinhavou muito do que se discute virtualmente e se discutiu em novas ações para o teatro de rua brasileiro. Evoé! A luta é permanente!
Vamo que vamo!!
Márcio Silveira dos Santos
Grupo Teatral Manjericão

Dia 29/11/2010 – Segunda – Feira / BANZEIRANDO – Uma Jornada Teatral pelos Rios da Amazônia / Diário de bordo e terra

O dia começou as 06h30min pra mim, pois para os demais o barco já estava em deslocamento de Santa Catarina para o Distrito de Conceição, mais especificadamente no porto da Dona Preta. Uma espécie de benzedeira/curandeira que atende duas vezes por semana em sua casa. Nos recebeu as 09h30min, combinamos que não levaríamos equipamentos como máquina fotográfica, filmadoras, etc. Dona Preta não gosta de ser fotografada e não quer ninguém filmando sua casa e atividades. Privacidade total. Terreno bem florido e casa grande com pilares altos devido às cheias. Sentamos e conversamos por uma hora sobre políticas, ecologia, e algumas piadas e brincadeiras, nada muito destacável. Uma prosa simples e de respeito. Já valia a pena ficar sentado ali naquele lugar de boas energias e abençoado pelos encantados da floresta e do rio madeira. Chicão convidou Dona Preta e seu marido, o Raimundo, para almoçarem conosco no barco, relutou, mas aceitou. Pois disse que não conseguiria descer o barranco, de mais ou menos 50 metros de altura. Dona Branca perguntou que tipo de comida ela gostaria de comer e respondeu que gostaria que fosse peixe. Descemos após nos despedirmos, no barco todos preparavam o ambiente para receber o casal, uma arrumação danada. Chegando perto do meio dia Dona Preta mandou avisar que havia chegado muita visita e que não iria descer mais. Como respeito o pessoal da cozinha mandou uma quantia de peixe pra Dona Preta através do Thallisson que voltou dizendo que ela havia nos abençoado para o resto da Jornada. Evoé!

Seu Raimundo havia dito que as crianças estavam na escola ali por perto, na localidade de Papagaio. Chicão pediu pro Léo e Nivaldo irem fazer uma intervenção, foram de voadeira, mas não aconteceu porque ao chegarem na escola os alunos estavam a passeio em Porto Velho.

Após o almoço partimos para o distrito de Calama, chegamos às 14h. Chicão e Vrena constatam que boa parte da cidade desmoronou, a erosão dos barrancos destruiu uns 60 metros da cidade. Aliás, no deslocamento de Dona Preta até Calama a situação é bem critica neste sentido. O Rio se alarga brutalmente, árvores e toneladas de terra desabam nas águas turvas do Rio Madeira.

Hoje, nesta localidade, só reconhecimento da área. Alguns aproveitaram o dia para lavar roupas, tomar banho de rio, pescar, jogar dominó, etc. Amanhã Banzeiramos a mil em Calama!

Vamo que vamo!!

Márcio Silveira dos Santos

Grupo Teatral Manjericão

Dia 28/11/2010 - Domingo / BANZEIRANDO – Uma Jornada Teatral pelos Rios da Amazônia / Diário de bordo e terra


Saímos cedo do Distrito de Nazaré e aportamos no Distrito de Santa Catarina. Havia grande expectativa com relação a esta localidade por dois motivos. Foi onde O Imaginário realizou parte da pesquisa do espetáculo “Filhas da Mata” e o Documentário “Arte Beiradeira”, sobre as mulheres artistas do baixo madeira. E também devido aos casos misteriosos e a magia em torno do local. Aqui há o cemitério onde foi sepultado o Barão Abelha, um navegante português que foi figura ilustre no ciclo da borracha. Cuja filha, Catarina, após fugir com um mateiro (homem que abria picadas na floresta durante o ciclo da borracha) teve um filho e depois de um tempo enlouqueceu, vindo a se matar na cachoeira, onde, dizem, homens não podem sentar nas pedras. Os que sentaram quando voltaram pra cidade tiveram febre e faleceram.
Pela manhã Chicão e os demais integrantes d’O Imaginário foram ao cemitério, já à tarde inventamos de ir à cachoeira. Chicão conseguiu dois guias mirins, curumins do local que nos guiaram como se brincassem numa pracinha da cidade. Raimundo e Erivani tentaram inclusive nos assustar, aceleraram o passo e os perdemos de vista quando de repente surgiram ao nosso lado, gritando, camuflados na mata.
Floresta densa, cheias de árvores frutíferas como Castanheiras e Tucumãs. A placa na comunidade dizia 5 km até a cachoeira, caminhamos por uma hora e meia e chegamos num lago, lá teríamos que pegar canoas para atravessá-lo depois mais 2 km de caminhada até a cachoeira. Cansados e sem possibilidade de irmos remando, pois não havia remos suficientes e as canoas estavam cheias de água, uma delas estava até com peixe dentro. A vontade de encerrar a aventura por ali já era grande quando pensamos também na volta, pois se a ida deu cansaço, imagina a volta! Quando saímos da comunidade, Raimundo estava com uma mochila preta nas costas e perguntamos o que tinha nela, disse que era material para chuva! Estava um solão de rachar e eles já previam que choveria à tarde, o que de fato aconteceu na volta. É! Coisas da Amazônia! Há uma relação profunda e sinestésica do povo ribeirinho com a Floresta. Havíamos saído por volta das 10h, voltamos em torno das 14h. Uma aventura inesquecível. Na volta choveu muito por alguns minutos e não nos molhamos devido a mata fechada. A maioria na chegada ficou detonado de cansaço nas pernas e assaduras. Eu nada senti a não ser mais tarde que vi um dos dedos do pé arrebentado. Havia dado uma topada num toco e só depois de horas vi o dedo degolado. Passei a noite mancando e fazendo curativos.
Chegada a noite, Chicão e o povo todo envolvido na preparação do local para a projeção do documentário e a intervenção do Léo Carnevale. Foi numa área coberta, estilo quiosque de praça onde estavam instalados refletores, a tela e o projetor.
O povo foi chegando, poucos, pois a maioria neste domingo foi para um evento que estava acontecendo em Porto Velho.
Mas o importante foi ver que a Nazaré, moradora local que fez parte do documentário, assistiu e recebeu do Chicão uma copia do filme. Após, o Léo fez a sua intervenção com o Afonso Xodó, realizou uns números de mágica com ótima participação do público e encerrou as atividades na localidade.
Amanhã, segunda-feira 29 de Novembro, partimos para a casa de Dona preta.
Vamo que vamo!!
Márcio Silveira dos Santos
Grupo Teatral Manjericão

Dia 27/11/2010 – Sábado / BANZEIRANDO – Uma Jornada Teatral pelos Rios da Amazônia / Diário de bordo e terra


Chegamos pela manhã no Distrito de Nazaré, em Porto Velho. Saímos para conhecer o local que resume-se a uma estreita faixa de concreto de três metros de largura que se alonga por toda localidade. Depois o concreto vira uma grande ponte de madeira rústica envelhecida pelo tempo. Depois volta a ser de concreto de termina esta avenida principal na mata, como se a floresta engolisse o que dali se seguia. Uma meia hora de caminhada no total. Era apenas 10h e o sol estava de arrebentar qualquer pele! Voltamos e encontramos Chicão que já havia definido o local para a apresentação à noite, devido à temperatura excessiva do local. Encontramos no caminho uma moradora, Dona Fátima, proprietária da única pousada do local. Ela nos levou a sua casa para presentear a Anelise com uma Cuia, o que no sul chamamos de Porongo, alguns lugares é cabaça. Dona Fátima nos levou para ver a árvore de cuias e Anelise escolheu qual, na seqüência Sidnei Oliveira colheu a cuia. Anelise voltou à noite para pegar as cuias, ganhou duas, uma grande e outra pequeninha. Já limpas e cortadas. Foi um dia que passou muito rápido, mal almoçamos e a produção já se preparava para montar refletores de luz num bar gentilmente cedido por Dona Margarida e seu esposo Getúlio. Casal que arrasou durante as apresentações.
Antes da função Léo soltava fogos de artifício, uma das formas de chamar a atenção da população para os eventos. O público foi se achegando, em sua maioria adultos, fato que possibilitou que Tancredo e Nivaldo partissem para a fuleragem com os personagens Velho Justino e Guadalupe de Monteserrat. No meio da apresentação do Tancredo voltou um cidadão conhecido como Ceará, usava camisa do Corinthians, e sempre numa situação que não era mais bêbado e sim trêbado! Cambaleando pediu pra contar uma história ou piada. Tancredo permitiu, mas antes perguntou se alguém trouxe o limão, pra equilibrar a cachaça pura que lhe deixava tonto também. Ceará contou uma piada, metade para o público e metade para o Justino, mas todos aplaudiram e saiu dali feliz da vida. Depois na apresentação da Guadalupe ele voltou, queria contar uma piada, Nivaldo deixou, mas a Guada encarava o rapaz que ficava nervoso e tímido. Ceará abraçava e grudava a Guadalupe à medida que se envergonhava. Nivaldo aproveitou e abraçou o Ceará, que grudava o rosto na altura dos seios da Guada, o público delirava na fuleragem. Enfim contou uma piada toda com voz baixa e rindo demais, poucos entenderam, mas mais uma vez batemos palmas e saiu ovacionado. Estes momentos não serão esquecidos tão cedo em Nazaré. Fim da função, agradecemos feitos e partimos pra janta. Amanhã cedo aportaremos no Distrito de Santa Catarina ainda em Porto Velho.
Vamo que vamo!!
Márcio Silveira dos Santos
Grupo Teatral Manjericão

Dia 25 e 26/11/2010 – Quinta e Sexta-Feira / BANZEIRANDO – Uma Jornada Teatral pelos Rios da Amazônia / Diário de bordo e terra


Dia clareou em São Carlos, ficaremos dois dias por estas bandas. Estamos no quarto dia da Jornada, ainda em território administrado pela Prefeitura Municipal de Porto Velho. Chicão na Quinta-Feira pela manhã foi às comunidades agendar apresentações, hoje o Manjericão apresenta O Dilema do Paciente à tarde na Escola Municipal de Ensino Fundamental Henrique Dias e a noite será a vez do Tancredo Silva com o Velho Justino.
A localidade de São Carlos é um pouco maior que Cujubim. Há ruas de pisos de concreto, estreitas com três metros de largura. Não há carros, somente motos e bicicletas. Uma quantidade grande de quadras e no centro há uma praça central, que só tem espaço para a placa dizendo praça central, junto há uma agência dos correios, a escola e dois mercados, um cemitério pequeno e um campo de futebol. Mas o povoado em si é agitado, há um bar noturno, entre tantos, chamado Xana’s Bar, fica lotado de sexta a domingo. Foi lá que agitamos o esqueleto por duas noites.
Na sexta-feira Léo apresentou pela manhã e tarde na Escola e a noite realizamos apresentações de todos no largo da Igreja Matriz.
Como no Manjericão todos somos professores também, tenho que relatar aqui o descontentamento de um fato nesta escola e que ocorre muito quando acontecem apresentações em escolas. Geralmente os professores aproveitam o tempo para realizarem reuniões, discussões, planejamentos, exatamente durante as apresentações artísticas. É uma lástima! Professor tem que fruir arte, manter a apreciação e reflexão estética e crítica. Se permanecer este pensamento e atitude, eu pergunto: - Que tipo de aluno estará formando? Ele será um cidadão crítico e consciente de seus direitos e deveres neste país de tantas desigualdades sociais? Não somos depósitos de corpos onde largam os alunos deixando a cargo dos artistas ocuparem o tempo destes! A Anelise chamou a atenção dos professores para este fato quando soube, após a apresentação, que estavam em reunião. Fora isto a apresentação foi muito divertida, numa área coberta, pequena, mas que permitiu uma grande aproximação do público com a trama das peripécias do palhaço Brigela na busca de solução para as manchas azuis pelo corpo.
As 20h iniciamos um cortejo até o largo, Léo foi o apresentador e realizava mágicas nos intervalos. O Grupo Teatral Manjericão apresentou primeiro, depois o Tancredo e por último o Nivaldo com a personagem Guadalupe. O público foi bom, com certa dificuldade de participação quando convidados, mas nada que os artistas estradeiros não conseguissem contornar. Fechada a noite de apresentações comemoramos no Xana’s Bar. Na manhã seguinte partimos para o Distrito de Nazaré.
Vamo que vamo!!
Márcio Silveira dos Santos
Grupo Teatral Manjericão